20 de dez. de 2011

A Origem das Odaliscas

A imagem das odaliscas é grande estereótipo da dança do ventre. Mas quem eram estas mulheres? E por que a dança do ventre se relaciona com elas? Primeiramente, o termo odalisca é recente, aproximadamente do séc. XV, antes de serem denominadas "odaliscas", o nome que definia a sua presença na sociedade árabe-islâmica clássica era outro: Jawari (no Egito chamadas de Awalim).

Jawari é o plural de Jariya, que quer dizer, serva. Esta serva poderia possuir duas funções: poderia ser responsável pela casa e pelas notícias da vizinhança, ou poderia ser uma qina, isto é, uma serva para entretenimento, principalmente para cantar. A Jariya que soubesse cantar era disputada no mercado, o que acabou a tornando um artigo de luxo de príncipes e ricos comerciantes, gradativamente alterando seu conceito de "serva" para "concubina".

Eram as Jawari que constituíam os haréns dos sultões, que dançavam, cantavam e conversavam sobre filosofia e poesia para entreter seus senhores. Vários sábios árabes a descreveram em seus livros, como Nafzawi, Al-Jahiz, criando em sua imagem toda uma atmosfera de encantamento e sexualidade. São nos contos sobre as Jawari que surgem os casos de homoerotismo feminino, o que chamaríamos hoje de lesbianismo. Para os muçulmanos clássicos, as mulheres só poderiam se sentir atraídas sexualmente umas pelas outras se estivessem em haréns, o local onde as Jawari viviam ao lado de todas as mulheres da vida do sultão (mãe, filhas e esposas legítimas).

O harém não representava um local voltado para o sexo, mas um local de convivência secreto, onde somente o senhor e os eunucos que o guardavam poderiam ter acesso, sendo dirigido pela mãe do sultão. As Jawari não eram muçulmanas, mas sobretudo cristãs, capturadas em guerras ou pilhagens, e vendidas nos mercados. A concubina que se convertesse ao islamismo, deveria se casar, seja com o seu senhor ou com outro designado por ele. A partir do séc. XVI, mesmo aquelas não convertidas poderiam sair do harém e se casarem com homens escolhidos por seu senhor, caso fossem dados como terminados seus serviços ou se nunca tivessem sido requisitadas pelo sultão.

Ainda assim, a condição das Jawari não era das melhores. Diferentemente das Ghawazee, as Jawari eram escravas, não possuíam liberdade ou representação social. Elas ainda poderiam ser compartilhadas por co-proprietários ou mesmo vendidas sucessivamente a novos donos. Para as concubinas comuns, a única forma de conquistarem algum direito era em caso de se tornarem mães (um al-walad), o que lhes garantia a estabilidade ao lado de um único proprietário pelo resto da vida. Já as concubinas do harém poderiam ter a chance de possuírem alguma posição no mundo exterior, porém era muito raro de acontecer. Em ambas condições, por mais que as Jawari não tivessem qualquer controle de sua vida, elas exerciam grande influência sobre seu senhor, algo que pode ser exemplificado pelos diversos discursos que apontam o harém como um local de intrigas e conspirações.

No Império Turco Otomano, as Jawari passaram a ser chamadas de odaliscas (algo como camareiras). O termo odalisca passou também a abarcar aquelas que não eram propriamente concubinas, algo semelhante ao conceito inicial de Jariya. Aquelas que eram belas ou que tinham algum talento para dançar ou cantar, eram treinadas para se tornarem amantes do sultão. Se fossem bem sucedidas na sua arte de sedução, ou como cantoras ou dançarinas, poderiam ganhar algum status fora do harém, sendo utilizadas até mesmo para dar as "boas vindas" aos visitantes do Império.

A partir do séc. XIX, quando as nações europeias passaram a comercializar seus produtos industrializados e a mesmo industrializar os países árabes, as odaliscas tiveram quase um papel diplomático, ao representarem a hospitalidade dos sultões através de seus corpos e de sua dança. A dança do ventre encantou profundamente os imperialistas europeus, que fascinados, passaram a exportar para a Europa algo como um show de cabaret, primeiramente na França sob o nome "Danse du Ventre", nome este que passou a designar toda essa modalidade de dança no mundo ocidental (o nome original é Raqs Sharqi, que quer dizer, Dança do Oriente).

Assim, nada mais justificável que a imagem da dança do ventre fosse representada por tantos anos como a concubina bela e sedutora, a odalisca. No mundo árabe, a dança do ventre como entretenimento só era desempenhada por Ghawazee ou Jawari (Odaliscas), isto é, por prostitutas ou concubinas, e é por isso que a dança do ventre não é vista com bons olhos por lá. Atualmente, muitas países usam a dança do ventre com papel turístico, como o Líbano, o Egito, a Turquia, mas para muitos árabes, a dança do ventre está longe de perder a sua imagem de promiscuidade.

Existem danças folclóricas festejadas por grupos étnicos, danças que chegaram até nós, como o Falahi, o Baladi, entre outros, mas que eram desempenhadas por camponeses em ocasiões festivas. Esses folclores foram incorporados ao que chamamos no Ocidente de Dança do Ventre, mas eles eram atividades distintas das praticadas no haréns e nas ruas pelos Ghawazee.

A impressão deixada nos europeus pelas odaliscas pode ser conferida pelas diversas pinturas que encontramos até mesmo no Google. Pintores como Jean Auguste Dominique, Vicenzo Martinelli e Fabio Fabbi retrataram o imaginário europeu do que seria o harém, obras de erotologia árabe foram traduzidas, se iniciou o movimento que chamamos de "orientalismo" (o Oriente como algo envolto em misticismo e encantamento, como "o outro").


Dra° Patricia Martins

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