29 de nov. de 2011

O Que é o Santo Daime?

O Santo Daime é um culto cristão surgido no estado brasileiro do Acre, no início do século XX. Seu fundador foi Raimundo Irineu Serra, chamado por seus contemporâneos de Padrinho Irineu e por seus seguidores de hoje de Mestre Irineu.

O Santo Daime reúne elementos cristãos, da tradição espírita europeia, indígenas e africanos num culto que conta também com a ingestão de uma bebida feita a partir dos mesmos elementos constituintes da ayahuasca, bebida sagrada utilizada pelos incas antes da chegada dos espanhóis à América e por várias tribos da região amazônica, mas com um feitio distinto do daquela.

Atualmente, estima-se em cerca de 10.000 o número de seguidores da doutrina no Brasil e no mundo. Há igrejas legalmente instituídas em quase todos os estados brasileiros e em países como Espanha e Holanda, além de grupos que celebram os cultos da doutrina em países como Canadá, Inglaterra, Suécia, República Tcheca, Austrália, Estados Unidos, Japão, Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela(Ilha Marguerita) e Portugal.

 O Fundador:

O Santo Daime foi fundado por um homem saído do povo. Raimundo Irineu Serra, Mestre Irineu como é chamado pelos seguidores do culto, era negro, neto de escravos, nascido na cidade maranhense de São Vicente de Férrer em 15 de dezembro de 1892, filho de Sancho Martinho Serra e Joana Assunção Serra, primogênito de uma família de cinco irmãos (Dico, Verônica, Maria e Nhá Dica).

Foi para o Acre a fim de trabalhar na demarcação de fronteiras, também atuou em seringais da região e na Guarda Nacional. Ali, na Amazônia, do alto de seu 1,98m, conheceu a ayahuasca em solo peruano, das mãos de um caboclo chamado Don Pizango. Segundo narra a tradição daimista, ele teve uma visão com a Virgem da Conceição, a Rainha da Floresta, que lhe "entregou" a doutrina do Santo Daime.

Mestre Irineu foi concebendo (ou "recebendo" para usar um termo daimista) a doutrina do Santo Daime durante alguns anos, submentendo-se a diversas provações de sua fé, tornando-se um exemplo de humildade, de amor ao próximo e de prática de princípios cristãos, tendo sido admirado em toda a Rio Branco de seu tempo.

Militar reformado e simpatizante da Arena, a admiração de que gozava o Padrinho Irineu ia desde gente simples que vivia nos igarapés e nas colônias ao redor de Rio Branco até autoridades civis e militares.

Juramidam, nome espiritual que recebe, deixou um legado de trabalho, força, fé e esperança. Mestre Irineu foi o fundador do CICLU- Centro de Iluminação Cristã "Luz Universal" em que se sagrou Mestre-Imperador.
Ainda vivo, viu surgir outros trabalhos religiosos que se utilizam da ayahuasca, como é o caso da Barquinha. Após sua morte, em 6 de julho de 1971, aconteceram dissidências no CICLU e várias igrejas se formaram a partir daí, no Grande Cisma.

O Culto:

A liturgia daimista consiste em três tipos básicos de trabalho: concentração, festejos (também conhecidos como bailados) e feitio, e em todos se comunga do Santo Daime.
Nas concentrações realiza-se um trabalho de auto-conhecimento e aprendizagem através das mirações, visões alcançadas através da fé de cada participante e da bebida sagrada.
A revista Galileu, na reportagem A hora do chá, visita as diversas correntes que se utilizam da ayahuasca.

Concentração:

Cerimônia religiosa do Santo Daime, conhecida como o culto daimista por excelência, já que os festejos, como o próprio nome diz, são festas, celebrações.
As concentrações costumam ser realizadas por convenção todos os dias 15 e 30 de cada mês nas igrejas daimistas; contudo, também por convenção ou conveniência de cada igreja, em alguns centros são realizadas em outros dias (finais de semana alternados, por exemplo).
São duas as liturgias da Concentração daimista, mas em ambas toma-se o Daime, fecha-se os olhos e permanece-se em silêncio entre aproximadamente uma e duas horas, canta-se um conjunto de hinos conhecido como "Hinos novos" ou "Cruzeirinho", rezam-se Pais-Nossos, Aves-Marias e Salve-Rainhas e está encerrado o trabalho (Alto Santo); no Cefluris, inicia-se o trabalho com a chamada Oração, conjunto de hinos do Pad. Sebastião, Pad. Alfredo e Mad. Nonata (filhos do Pad. Sebastião), a concentração costuma ser mais curta, com o cântico dos "Hinos de Concentração", um apanhado de hinos do próprio padrinho Sebastião.

Festejos:

Um dos tipos de trabalho que constituem a liturgia do Santo Daime. Neles ocorre o bailado, ao som de maracás e outros instrumentos.

 
Na imagem acima, reproduzida de reportagem da revista Galileu, vê-se a disposição dos fardados e fardadas dentro da igreja durante o bailado, à maneira como é realizada nas igrejas do Cefluris ou alinhadas ao trabalho dessa instituição.
Algumas datas "festejadas" pelo Santo Daime são:

• Dia de São José;
• Dia de São João;
• Dia de Todos os Santos;
• Dia dos Pais;
• Dia das Mães;
• Dia de Nossa Senhora da Conceição;
• Natal;
• Dia de Reis;
• Aniversário do Mestre Irineu;
• Aniversário do Sr. Leôncio Gomes da Silva, o primeiro presidente da primeira igreja de daime, o Ciclu, entre outras.

Feitio
O feitio é cerimônia ritual em que se produz a bebida enteógena utilizada no culto do Santo Daime. As duas plantas com que é preparado o santo daime são:

• O banisteriopsis caapi, conhecido popularmente como jagube, mariri, entre outras denominações, e
• A psicotria viridis, popularmente rainha ou chacrona.

O jagube é batido com marrretas de madeira, e depois de as folhas do arbusto rainha haverem sido limpas, os dois são cozidos em água.Esse primeiro cozimento é retirado e colocado em outra panela com uma nova quantidade de jagube e rainha. Após esse segundo cozimento está pronto o daime.


Feitio: No feitio os homens batem o jagube, e cuidam de seu cozimento; as mulheres, cuidam das folhas. Foto do feitio realizado no I Encontro das Igrejas Daimistras Latino-Americanas + África do Sul, realizado em Florianópolis, em janeiro de 2007, no Céu do Patriarca. Extraídas de

Hinários

Doutrina cantada, o Santo Daime conta hoje com mais de 80 hinários, segundo a "hinarioteca" daimista. Os principais são "O Cruzeiro", do Mestre fundador da doutrina, e outros quatro hinários, conhecidos como "os quatro falecidos", "hinário dos finados" ou, ainda, "hinário dos mortos":

Vós Sois Baliza, de Germano Guilherme;
Seis de Janeiro, de João Pereira;
O Amor Divino, de Antônio Gomes;
O Mensageiro, de Maria Marques "Damião".

Cada igreja, entretanto, possui, além desses, seu(s) próprio(s) hinário(s) oficiais.

São, ainda, bastante conhecidos e executados os hinários:

 Sem nome, de João Pedro;
 Bandeira de Paz, de Percília Mattos;
 Lua Branca, de madrinha Rita Gregório;
 O Assessor, de Tetéu;

Primeiros Seguidores:

Os primeiros seguidores de Mestre Irineu no início de sua caminhada no Santo Daime eram pessoas que chegavam em procura de cura para doenças - doenças físicas e espirituais. No ínicio eram bem poucos, e o próprio Mestre costumava dizer que "quanto menos somos, melhor passamos". Dizia também que "o Daime é para todos, mas nem todos são para o Daime", o que explica que tanta gente tenha chegado sem ter se incorporado às fileiras daimistas. Várias são as pessoas que merecem nota entre os primeiros seguidores. Por questão de justiça vale lembrar além dos nomes dos quatro irmãos que integram a base doutrinária daimista, melhor descritos abaixo, os nomes de Chico Granjeiro, Francisco Fernandes Filho (Tetéu), Leôncio Gomes, Percília Mattos da Silva, entre outros.

Germano Guilherme

Foi um dos primeiros adeptos do culto do Santo Daime. Viveu no Acre e possui um dos cinco hinários tidos, ao lado da Bíblia, como base da doutrina Daimista. Era extremamente zeloso de seus hinos, tinha verdadeiro ciúme com eles. Não permitia que as pessoas os tivessem copiados em caderno. Quem quisesse cantar seu hinário deveria sabê-lo de memória. Àqueles que o procuravam querendo aprendê-lo dizia que fossem até sua casa, onde ensinava um grupo de hinos, depois que a pessoa aprendesse aquele primeiro grupo, ensinava mais um pouco e assim sucessivamente. Antes de falecer, não incubiu a ninguém a zeladoria de seu hinário. Pediu a Mestre Irineu que cuidasse de seu hinário. Tempos depois de sua morte o senhor Luís Mendes disse ao Mestre que Germano Guilherme lhe aparecera em visão e que lhe atribuíra a zeladoria do hinário. O Mestre nada disse a respeito.

Maria "Marques" Damião

Maria Vieira Marques foi uma das primeiras seguidoras do Santo Daime. É conhecida como Maria Damião, pois assim se chamava seu esposo. Seu hinário "O Mensageiro" compõe a lista dos cinco que, ao lado da Bíblia, compõe a base doutrinária daimista.

João Pereira

Viveu no Acre e possui um dos cinco hinários tidos, ao lado da Bíblia, como base da doutrina Daimista. O hinário deixado por ele chama-se "Seis de Janeiro". O responsável por seu hinário, encarregado por ele ainda em vida, foi o sr. Luís Mendes, que transferiu a "zeladoria do hinário" a seu filho, o sr. Saturnino Mendes.

Antônio Gomes

Também foi um dos primeiros a chegarem ao trabalho espiritual fundado por Raimundo Irineu Serra. Viveu no Acre e possui um dos cinco hinários tidos, ao lado da Bíblia, como base da doutrina Daimista. O hinário deixado por ele chama-se "O Amor Divino".

O Cisma:

Quando faleceu, em 6 de julho de 1971, a sua igreja, o CICLU - Centro de Iluminação Cristã Luz Universal, era presidida por Leôncio Gomes da Silva. O senhor Leôncio adoeceu e transferiu a presidência a seu assessor Francisco Fernandes Filho, conhecido como Tetéu, que era o vice-presidente da instituição. Com o falecimento de seu Leôncio, consequente de sua doença, houve um cisma no CICLU, que ficou sob o comando da viúva de Mestre Irineu, Dona Pirigrina Gomes Serra, carinhosamente chamada de madrinha Pil. Outras igrejas foram fundadas no bairro do Alto Santo, onde está localizado o CICLU, pelos que se opunham à legitimidade de sucessão de Dona Pirigrina.
Hoje ali há cerca de 5 igrejas, a grande maioria oriunda daquela cisão. Fruto também desse Cisma, numa colônia nos arredores de Rio Branco, a Colônia 5000, Sebastião Mota de Mello, conhecido no meio daimista por Padrinho Sebastião, fundou o CEFLURIS - Centro Eclético da Fluente Luz Universal "Raimundo Irineu Serra", cuja sede, hoje, fica no Céu do Mapiá, comunidade religiosa num igarapé no município amazonense de Pauiní.

As Igrejas:

Atualmente são inúmeras as igrejas de Santo Daime no Brasil e no mundo. Em quase todos os estados da federação brasileira encontram-se igrejas, centros e "pontos", pequenos grupos que comungam desinstitucionalizadamente a bebida sagrada. O Santo Daime, ao contrário de outras igrejas, não possui uma autoridade central. Cada igreja possui seu responsável e, caso a igreja possua filiais, o responsável pela matriz passa a ser a autoridade central daquele núcleo e suas células. A liturgia daimista originalmente concebida por Mestre Irineu passou por algumas transformações em algumas igrejas, o que hoje permite reuni-las (não separá-las) em dois grupos:

Centros de Iluminação Cristã:


Igrejas alinhadas ao programa litúrgico original de Mestre Irineu, conhecidas no meio daimista como "Alto Santo", menção ao bairro riobranquense onde está o CICLU, igreja que foi presidida pelo Mestre-fundador, que testemunhou seu legado litúrgico quando de seu falecimento. Em tais igrejas, a liturgia original deixada por Mestre Irineu e a comunhão soberana do Santo Daime (ayahuasca) como sacramento se dá sob princípios exclusivamente cristãos.


Centros Ecléticos:


Igrejas alinhadas ao programa litúrgico concebido pelo Padrinho Sebastião Mota de Melo e conduzido por seu filho e sucessor, o Padrinho Alfredo Gregório de Mello, no qual a comunhão do Santo Daime como sacramento soberano se dá sob princípios cristãos, de religiões orientais e abarca elementos da Umbanda em alguns trabalhos.

Centros Xamânicos:

Núcleos liderados por pessoas oriundas do Santo Daime, que até realizam trabalhos do calendário daimista e na liturgia daimista, mas cujo ritual se estabelece com bases em tradições ritualístas incaicas ou incaico-inspiradas, em tradições norte-americanas (navajos e lakotas) ou brasileiras (amazônicas, guaranis e tupis.)

Legalidade do Santo Daime:

A partir da década de 80, devido a movimento expansivo do Santo Daime ocorrido na década de 70, várias foram as iniciativas governamentais no sentido de dar a conhecer a legitimidade e a legalidade do uso religioso da ayahuasca/santo daime:

• 1982 - Nos momentos finais da ditadura no Brasil, uma Comissão formada por médicos, antropólogos, psicólogos, representantes do Ministério da Justiça, Polícia Federal e Exército, visitaram comunidades daimistas na Amazônia.

• 1984 - O CONFEN - Conselho Federal de Entorpecentes, órgão do Ministério da Justiça, cria uma Comissão de Trabalho para estudar o uso ritual do ayahuasca.

• 1985 e 1986 - Visitas da Comissão de Trabalho do CONFEN a comunidades usuárias. Confirmação de pareceres positivos de outras Comissões.

• 1987 - Conclusão da Comissão de Trabalho sobre o uso ritual da ayahuasca/Santo Daime que verificou que "os rituais religiosos realizados com a bebida sacramental Santo Daime/Ahyauasca não traziam prejuízos à vida social e sim, contribuíam para a sua maior integração, sendo notórios os benefícios testemunhados pelos membros dos grupos religiosos usuários"

• ---- - Divulgação de resultado de pesquisas farmacológicas e psico-sociais que comprovaram a inexistências de riscos de adição e dependência no uso da ayahuasca em contexto ritual.

• 1991/1992 - Implantação de nova Comissão que realiza novos estudos e visitas às principais entidades ayahuasqueiras e daimistas. O CONFEN posiciona-se pelo acompanhamento do uso ritual da bebida, sem nenhuma orientação proibicionista.

• 2004 - O CONAD - Comissão Nacional Anti-Drogas, atual órgão do Ministério da Justiça brasileiro, após dezoito anos de espera da comunidade daimista, reconhece a legitimidade do uso religioso da ayahuasca e a legalidade de sua prática.



Dra° Patricia Martins

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