26 de nov. de 2011

Bolivia: A depêndencia da folha de coca

A folha de coca é uma cultura ancestral andina, praticada desde antes da chegadas dos espanhóis ao nosso continente. Parte integrante de rituais sagrados, suplemento alimentar utilizado ao longo de fainas extenuantes, elo de integração familiar-comunitário em rodas de mate ou de pijcheo (mascação). Seus usos são diversos, sendo parte essencial do cotidiano das comunidades quechuas e aymaras. Mas apenas um uso, e curiosamente um que não era realizado por aquelas comunidades, tornou-se hábito mundial e selou a sorte da folha sagrada. Transformada em cocaína, a folha foi condenada à revelia, estigmatizada como se fosse, em sua forma natural, tão perigosa quanto a droga que para ser produzida necessita quilos e mais quilos de folhas, sem falar nos abundantes produtos químicos que por si só já garantiriam a “viagem” dos interessados.


  


  Mas, ao ser condenada como se fosse droga, a folha de coca permitiu o surgimento de um dos movimentos sociais mais vigorosos da história boliviana. O movimento cocalero  - pequenos produtores rurais que vivem da produção da folha de coca para os mercados tradicionais – politizou a questão da coca, questionou frontalmente o papel submisso dos governos bolivianos de então que abraçaram quase sem questionamentos as políticas anti-drogas traçadas em Washington D.C. – que consideram mais fácil combater o narcotráfico promovendo o extermínio da matéria prima num país frágil política e economicamente do que refletindo internamente sobre seu papel como maior centro consumidor das mais diversas drogas e entorpecentes – e, acima de tudo, politizou o tema cultural: o extermínio da folha de coca significaria o extermínio da cultura andina; o extermínio de quechuas e aymaras em sua cosmovisão, em sua própria concepção de mundo.


O movimento cocalero assumia, assim, a condição de protagonista político. Reafirmava o direito soberano de bolivianos e bolivianas, quechuas e aymaras ou não, de manterem vivas suas tradições culturais. E sua luta alcançou tamanha força que foi capaz de criar uma liderança vinda das bases e que alçou a inédita posição de primeiro presidente indígena do mais indígena dos países sul-americanos. Gostemos ou não de Evo Morales Ayma e de suas políticas, não podemos jamais deixar de reconhecer a importância de sua presença à frente da presidência da Bolívia. Um começo para a verdadeira independência desse grande país.


Dra° Patricia Martins

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